segunda-feira, 12 de março de 2012

Me conta uma história

Eu e minha irmã tínhamos trilhões de gibis. Não sabíamos ainda ler mas “ler” as figurinhas já era muito bom . Gibi da turma da Mônica (viva o Maurício de Souza), Luluzinha (minha personagem preferida: a bruxa Meméia, é claro!), Mickey Mouse, Pato Donald e cia...  Lembro do pai nos lendo gibis antes de dormir. Eu sempre queria mais. Uma vez, pedi para ele ler a última página do gibi. Ele, cansado depois de um longo dia de trabalho, disse que aquilo não era mais a historinha, era a lista de créditos. Porque eu insisti, ele leu. Não é que não tivesse acreditado nele, é que eu queria mais historinha. Eu tenho até hoje essa coisa de que, por mais que eu possua as evidências em neon na minha frente, quem sabe, quem sabe por alguma chancezinha qualquer, o meu desejo se torne magicamente uma realidade? Bem tolinha.

Eu aprendi a ler na primeira série com a cartilha da turma da Mônica. Não só tive a maior sorte de ter a professora perfeita, como também amava aquela cartilha da Mônica. A “tia Glorinha” era linda, carinhosa e super competente. Eu lembro até hoje daquela cartilha e como foi fácil aprender a ler, fazia tanto sentido! Naquele ano eu conquistei a liberdade de ler por mim. Antes de dormir eu lia e relia meus gibis. Em seguida, livrinhos simples.  O primeiro livro que eu lembro de ter lido chamava-se “Nicolau tinha uma idéia” de Mariana Massarani. O livro começa com a idéia de Nicolau que vai adicionando as idéias de João, Maria e de todas as pessoas que compartilham idéias com ele. Na última página, o leitor é convidado a adicionar a sua idéia. A minha idéia era mais histórias, mais livros.

Na segunda série tive uma professora bem fraquinha. Ela não durou muito tempo, ainda bem, foi substituída logo nos primeiros meses daquele ano. Como qualquer criança de 8 anos que mora longe da escola, eu dependia dos meus pais para chegar lá e, consequentemente, a pontualidade estava totalmente fora do meu controle. Só que a sem noção da professora me mandava para a biblioteca como castigo por chegar atrasada. Passei horas naquela biblioteca, feliz da vida com aquelas prateleiras entupidas com tantos livros. Aprendi com as simpáticas e solícitas bibliotecárias como retirar livros para terminar de ler em casa. Paraíso. Algo de bom em troca da humilhação de ser separada da classe como “castigo”.

Eu fui crescendo e os livros também. Lembro até hoje de livros do Sérgio Capparelli: “Os Meninos da Rua da Praia” e “Vovô Fugiu de Casa”.  Lembro de “Mamãe Não Pode Saber” e “É Proibido Chorar” do J.M. Simmel e como me identifiquei com Martin e Maria a ponto de chorar e sentir toda a solidão do mundo. Lembro de “É Tarde para Saber” do Josué Guimarães e o quanto Mariana me irritava por ser tão alienada. Lembro de ler os livros dos meus pais nas prateleiras da casa. O mais marcante foi “Risíveis Amores” do Milan Kundera que eu achei deveria ter-se chamado “Amores Trágicos”.  Nesta mesma prateleira descobri Hermann Hesse através de “O Lobo Da Estepe”. Acho que Hermann Hesse foi meu primeiro grande amor pois assim que tive a chance me deliciei com “Demian” e “Sidarta”. 

Há alguns anos atrás, o fofo do meu marido resolveu implicar comigo mostrando-se todo chocado quando soube que eu nunca havia lido Dostoievsky. Quase que contra a vontade (clássicos??? Pesadinho, não?), lá fui eu comprar “Crime e Castigo”. Preciso dizer que devorei o livro? Preciso dizer que foi um dos livros mais maravilhosos que eu já li? E lá fui eu empolgadíssima querer conversar com o marido sobre a história, o estilo, as personagens, a genialidade do autor, a angústia e o conflito que vai crescendo quase que sufocando... e sabe o que ele me diz? Que na verdade nunca leu mais do que as primeiras páginas. Azar o dele. Eu fui buscar mais Dostoievsky e li “O Idiota” e “Notas do Subterrâneo”. Maravilhoso. Para ler de joelhos!

Eu leio antes de dormir. É uma rotina que chega a ser um vício. Caindo de sono, já bati a cabeça em livros abertos sobre o travesseiro inúmeras vezes. Várias vezes já tive que reler páginas na noite seguinte por ter estado um pouco embriagada de sono na noite anterior. Não, não sei ir para a cama sem os meus livros. E eu leio de tudo, não tenho preferência por gênero e, na verdade, quanto mais simbolismo e espaço para interpretação, melhor. Não me incomoda se a história se passe num outro planeta ou numa terra com magos e dragões, se aconteça durante a guerra ou no aqui e agora. O “gênero” é apenas o veículo. Talvez o que faça a diferença, no meu caso, seja a habilidade e o talento em contar a história, o quanto o livro me transporta para um outro lugar, me hipnotiza. O quanto venha da “alma” e me convide a ver o mundo e as relações humanas por um ângulo novo. Ou quem sabe me reporte a algum lugar ou experiência que eu havia esquecido. São tantas as possibilidades, as imagens, os sonhos e pesadelos que habitam na cabeça de cada pessoa! Eu adoro poder ver o mundo através do olhar do outro. Alguns livros mexem tanto comigo que eu me pergunto, mas quem é esse autor/a, quem é essa pessoa? Porque os livros não são “filhos da macega”, alguém os escreveu e é essa a pessoa que me vem em mente, essa pessoa que soube como usar tão bem as palavras para traduzir imagens e emoções a ponto de me transportar, fazer refletir e enxergar além da minha janelinha.

Teria muito para falar desse prazer imenso que os livros me oferecem. Mas esse texto já está longuíssimo e eu nem sei bem porque estou contando essa minha viagem. Eu acho que é porque além de ser uma das coisas que eu mais amo fazer eu gostaria de saber a relação de outras pessoas com os livros.

O fato é que a vida oferece vários prazeres para todos os gostos,  como poder sentir o calorzinho do sol na pele depois de tantos dias escuros de inverno. Ou ler um bom livro na cama antes de dormir.

Mas me conta, por que você gosta de ler?