Eu tenho meus escritores japoneses favoritos, como por exemplo,
Haruki Murakami, que é reconhecido internacionalmente e bom mesmo. Então, um belo dia estou eu num dos meus lugares favoritos no mundo, esperando pelo livro que me “chamasse” quando “Out” praticamente pulou da prateleira nas minhas mãos. Eu olhei para o livro desconfiadíssima porque: 1-best seller, 2- gênero crime/ policial /detetive e 3- japonês... Vou me explicar. Sou desconfiada de best seller (nem preciso citar exemplos, né não???), e escritora japonesa escrevendo sobre crime /policial /detetive é suspeitíssimo porque eu só pensava em
The Ring, no
UltraSeven, no Godzilla e naquelas menininhas japas que parecem bonequinhas de desenho japonês animado. Eu sei, eu sei, ignorância pura, mas... resolvi seguir meus instintos e enfiei o livro na cestinha. Mais parentêses ( sabe bêbado que não pode ver um boteco? Bom, eu também não. Mas se tiver o boteco e a livraria lado a lado, a livraria ganha). Daí que um tanto de tempo depois – porque não é só me ganhar na livraria, tem que enfrentar a fila em casa - euzinha, inspirada pela
Sunflower-Jana e
Jana Lauxen entre outros deliciosos perversos que publicaram seus contos sanguinolentos em
Assassinos SA- resolvi que estava na hora de ler “Out”.
AMEI. Muito bom mesmo. Totalmente inesperado mas valeu a pena sim. Quer saber, essa tal Natsuo Kirino merece ser a “Rainha da Literatura Criminal Japonesa” (minha tradução livre do
Guardian, swallow it).
Vamos à trama.
Out começa devagar, quase parando. Começa descrevendo em capítulos distintos as pesonagens principais: Masako, Yayioi, Yoshie e Kuniko (vai te acostumando com os nomezinhos, se fores anta em japonês como eu). Elas são quatro mulheres que vivem nos subúrbios de Tóquio, com histórias de vida completamnete diferentes mas que por essas coisas da vida trabalham juntas durante a noite numa dessas empresas que preparam esses almoços prontos que o pessoal de escritório, etc compra na hora do tal almoço. Tá, deixa eu explicar melhor ( e me dêem um desconto porque eu não moro no Brasil há mais de 10 anos): aqui, e pelo jeito no Japão, teu empregador não paga teu almoço. Então, a criatura tem que ir numa Boots da vida (equivalente à Panvel em Porto Alegre) e comprar um sanduba ou uma outra bandeijinha de plástico qualquer com uma salada, ou massa fria pronta, ou um curry indiano, ou etc. Esse é o almoço da grande maioria dos londrinos. Claro que tem sempre gente, como eu, que carrega marmita.
Pois bem, essas quatro mulheres, que não tem nada em comum, trabalham juntas como uma pequena equipe no chão da fábrica durante toda a noite. Retornam à suas casas e famílias pela manhã. É um trabalho duro (dãããããã) e elas tem seus problemas particulares para enfrentar em casa: Yayoi é uma viúva que tem que cuidar da sogra bruxa mesquinha inválida; Kuniko é daquelas peruas que não tem onde cair morta e está atolada de dívidas, mas sempre mantendo a pose e mostrando uma vitrine de chique (breguíssima) e de quem não tem que se preocupar com dinheiro; Masako tem um filho adolescente que não abre a boca há anos e odeia os pais, além do marido estar tão distanciado no mundinho dele (ou ela no dela?) que nem tem mais jeito; e Yoshie, com dois filhos pequenos em casa, não aguentando mais as infidelidades e perda de dinheiro suado (que ela ganha trabalhando a noite) do marido em cassinos, numa bela manhã telefona para a colega Masako pedindo ajuda para se livrar do corpo do marido que ela acabara de matar. E Masako responde “Claro, eu ajudo.” As quatro mulheres acabam envolvidas em dar sumiço no corpo. A polícia encontra o primeiro suspeito, o dono de um cassino /puteiro que acaba tendo que fechar os negócios e, furioso, resolve ir atrás dos verdadeiros culpados. Eventualmente Masako se dá conta que um monstro foi acordado...
As personagens (não só essas quatro mulheres) são muito bem construídas e realísticas. É definitivamente uma história complexa e muito bem costurada. Vai lá no âmago da loucura pessoal, chega naquele lugarzinho escuro e proibido onde a pergunta que paira é: até que ponto você iria para escapar de uma vida sem sentido e sem saída?
Sim, o enredo começa quietinho e até enjoadinho, mas de repente o leitor é jogado numa trama emocionante de caça ao rato e vamos ver quem é mais esperto. Tem um tanto de horror, sangue, morbidez e suspense (afinal, a mulherada cortar em pedacinhos o defunto para espalhar pela cidade na tentativa de não deixar traços é só o começo).
Tem até um brasileiro metade japa e imigrante que, de tarado, vira amigo do peito. Tem um tanto de denúncia em relação às condições das mulheres na sociedade japonesa (se é que é assim porque eu confesso que desconheço a situação). Mas na minha modesta e super pessoal opinião, o forte está no desenvolvimento das personagens, no jeito que não interessa os motivos mas a ligação forte, a empatia (mesmo toda errada) que cada personagem provoca no leitor. É uma história estranha (cantei a pedra na minha primeira impressão) mas que vale a pena.
Bem, esse é o primeiro livro traduzido para o inglês da mais bem sucedida escritora japonesa contemporânea do gênero crime. “Out” recebeu o prêmio Naoki e o prêmio na categoria melhor crime/mistério no Japão.
Quer ler algo que vai te deixar dias pasmado e em luto por ter terminado o livro? Leia “Out”. Detesta o gênero crime mistério? Nem te dá ao trabalho. Não te interessa o gênero, mas uma boa história muito bem escrita? Reza para alguém bom traduzir para o português. Vale a pena. Bom pacas.