Fui para Paris de Eurostar com outras 19 pessoas do meu clube de
corrida. Enquanto 9 correram a maratona, as outras 11 foram como torcida
de apoio. É bacana você ouvir os amigos gritando o seu nome e encororajando ao
longo do percurso, principalmente quando tudo o que se quer é desistir, que a
tortura termine de uma vez.
Sexta-feira - 5 de abril
Chegamos em Paris no meio da tarde e fomos direto ao
hotel. O hotel era bem bonzinho, tudo limpinho e bem localizado. Depois de
fazer check in e largar as bagagens fomos até o centro de exposição da maratona
para entregar o exame médico, pegar os números e a sacolinha dos brindezinhos
bestas e dar um olhada na exposição.
A noite, tínhamos reserva numa brasserie perto do
hotel. Fazendo parte de um grupo de 20 pessoas, todos corredores onde 9 iriam
correr uma maratona no domingo, você teria certeza que vinho e cerveja estariam
fora dos pedidos, não? Ha! Tudo começa com "só um cálice" aqui,
"só uma cervejinha, afinal, estamos em Paris" ali e pimba! Somos os
últimos a deixar o restaurante, alegres e contentes e com o cérebro nadando em
vinho e cerveja.
Sábado - 6 de abril
No dia seguinte... um grupo de corredores perambulando
por Paris, sendo uns com mais e outros com menos ressaca. O dia estava lindo e
só porque passamos bem em frente, resolvemos dar uma paradinha no Les Deux
Magots, o tal café que Jean-Paul Sartre e
Simone de Beauvoir costumavam frequentar. Sempre tinha ouvido falar que garçon
francês é super grosseiro e estava convicta que era difamação pois em todas as
vezes que estive na França nunca tinha sofrido nas mãos de nenhum garçon mal
educado. Tolinha, fui finalmente batizada no café Les Deux Magots.
Pensei que o garçon fosse nos bater quando pedimos uma mesa. Juro que me deu
medo. Deu também uma vontade malvada de dar uma de inglesa e pedir água da
torneira, mesmo que não fosse beber. Mas acabei pedindo
uma diet coke quase debaixo da mesa de tão encolhida. Por sinal, foi a diet
coke mais cara que paguei na vida, 7 euros e 30 centavos por uma garrafinha!
Não, não vi nada demais no Les Deux Margots.
Atravessamos o rio Sena, continuamos perambulando e
não pude resistir, tive que comer um crepe de nutella com banana. Como eu gosto
de crepe em Paris!
A noite conseguimos encontrar um restaurante italiano
onde fomos cedinho nos entupir com mais carboidratos - sem álcool para
mim dessa vez - e retornamos ao hotel, afinal, amanhã seria o grande dia.
Domingo
- 7 de abril - Maratona
Acordamos cedinho e depois do café da manhã pegamos o
metrô lotadinho com outros tantos corredores que também se dirigiam ao Arco do
Triunfo, onde era a largada ( e final ) da maratona. Um mundaréo de gente.
Um dia lindo de sol apesar de estar ainda friozinho
por ser muito cedo. Filas imensas para os cubículos espalhados pela área. Tive
que encarar a fila porque a minha bexiga sempre resolve se fazer presente antes
de uma corrida, muito chata. Uma eternidade depois, finalmente chegou a minha
vez. Não sei da onde o corpo consegue produzir tanto xixi.
Me dirigi para a largada que aconteceu na hora
prevista mas era tanta, mas tanta, mas tanta gente que cruzei o ponto de
partida uma hora depois. Sim, eu estava lá no fundão, não vejo porque me meter
lá na frente quando corro a lá pangaré e principalmente quando tem chip para
controlar o tempo do ponto de partida ao ponto de chegada.
E adivinha quem resolveu dar o ar da sua graça logo na
saída? A chata da bexiga! Adivinha se agora haviam cubículos espalhados? Claro
que não. Vi um montão de corredores fazendo xixi nas esquinas. Homens, claro. O
processo é bem mais complicado para nós mulheres e uma mera esquina não é o
suficiente. Comecei um mantra mental “isso é emocional, tu não precisa fazer
xixi, já descarregou um galão há pouco tempo, segue”. Mas a chata da vontade
era insistente, não me largava.
Menos de 10 quilômetros depois e estávamos passando
por um parque. As moitas estavam ressecadas e não tinha como se esconder
totalmente mas não pude evitar. Me enfiei na melhor moita que eu encontrei (um
bando de corredores fazendo a mesmíssima coisa) abaxei as calças e fechei os
olhos. Se eu não posso ver os outros, os outros não podem me ver também. Então,
protegida por uma semi moita ressecada, com meu amplo bundão de fora, de olhos
fechados e rezando para ninguém chegar muito perto, descarreguei 2 galões de
xixi.
De volta ao percurso, me senti aliviada e mais leve. Retornei
ao meu trotezinho, tudo o que eu queria era completar a maratona.
A cada 5 quilômetros nos ofereciam água, laranja,
banana, cubinhos de açúcar e uvas passas. Eu me atracava nos gomos de laranja.
Meu corpo pede laranja quando eu corro, eu adoro corrida que oferece gomos de
laranja. Só por isso eu resolvi que a maratona de Paris era a melhor do mundo.
Tudo foi indo muito bem, meu passo era consistente, me
sentia ok. Nem me lembro em que altura passei pelos nossos torcedores que foram
uns fofos gritando meu nome. Teve um, o Richard que saiu correndo atrás de mim
e até tascou um beijo! E eu me sentia bem!!! Só que essa foi a minha terceira
maratona, eu sei que de repente tudo muda. Foi lá pelo quilômetro 30 que eu
comecei a sofrer. O corpo dói, as pernas dóem, tudo dói. Aí tem que ficar o
tempo todo mandando embora aquela vozinha maquiavélica que tenta te convencer
que tu não vai conseguir e que tá tudo errado. Tem que ficar se convencendo que
vai dar sim, que é apenas mais 1 hora
e poucos, já correu tudo isso, corre mais um pouco e etc, etc, etc.
Eu pensava no Rafa. Já pensou a cara de decepção se a
mãe dele não completa a maratona, não leva uma medalha pra casa? Não, eu tinha
que seguir em frente nem que tivesse que me arrastar. Lá pelo quilômetro 33 eu
não conseguia mais correr. Mal caminhar. Me sentia a moura torta. Um brucutu
destemido. Sério. “Caminhei” por 5 quilômetros. Não vi nada, não vi paisagem, nem
tirei foto. Até meus dedos doíam! Eu só conseguia olhar para o chão já que
levantar o pescoço doía também. No quilômetro 38 voltei a “correr”. Faltava
muito pouco agora.
42.16 quilômetros depois e cruzo a linha de chegada.
Que alívio! E não fui a última, não. Uma enxurrada atrás de mim.
De volta ao hotel, tomei um longo banho e, enquanto
meus amigos faziam happy hour, fui dormir. Corridas sempre me dão vontade de
dormir depois.
Nos encontramos no mesmo restaurante da sexta-feira
para jantar. Comi um filezão maravilhoso e bem ensanguentado com batatas sautée.
Divino. Entre uma garfada e outra, planejávamos onde seria a próxima maratona.
Segunda-feira
– 8 de abril
Hora de voltar pra casa. Pernas doloridas da corrida e
gargantas roucas da torcida. Chegamos em Londres às 3 da tarde.
Dei minha medalha para o Rafa.
Adorei a maratona de Paris. Não é tão alegre e festiva
como a de Londres, mas bem legal. Eu sou um zero a esquerda como corredora mas
sei lá porque tenho essa fixação com maratonas. Ano que vem quero correr outra.